A dieta vegetariana é uma escolha cada vez mais popular. Mas, embora seja consensualmente aceite como uma opção válida na idade adulta, a sua adequação às crianças é discutível e controversa.
O termo “vegetariano” apareceu pela primeira vez em meados do século XIX, e hoje usamo-lo para descrever toda uma gama de escolhas alimentares que consistem na exclusão parcial ou total de alimentos de origem animal. O sentido mais lato do termo inclui vários subgrupos de dietas, algumas mais restritivas e radicais do que outras, e, também por isso, algumas mais adequadas às crianças do que outras. Conheçamos as mais comuns.
A dieta “semi-vegetariana” é a mais básica, e inclui as pessoas que são “pesco-vegetarianas” (não comem carne, mas comem peixe) e as que são “pollo-vegetarianas” (consomem carne de aves). No fundo, não deixa de ser uma dieta omnívora, mas bastante mais prudente, com uma ingestão limitada de carne e elevada em vegetais e cereais.
A mais comum é a dieta “ovolactovegetariana”. Não se consome nenhum tipo de carne, peixe ou seus derivados, mas comem-se ovos e leite, bem como os derivados destes últimos. Aqui existem ainda dois subtipos: a dieta ovovegetariana (consumo de ovos) e lactovegetariana (consumo de produtos lácteos).
O perfil alimentar mais radical é o do “veganismo” ou dieta “vegan”, uma vez que exclui totalmente o consumo de produtos de origem animal. Mais do que uma opção alimentar, é todo um estilo de vida, apoiado em fundamentos filosóficos. Os vegan rejeitam qualquer tipo de alimento de origem animal, e também qualquer produto que, em maior ou menor grau, exija o sacrifício de um animal (mel, couro, lã, seda…).
Também se inclui no vegetarianismo a dieta macrobiótica. Esta pode incluir a ingestão de peixe e/ou aves, e define-se pela crença de que os alimentos se dividem em dois grupos, de acordo com a sua energia yin e yang. De forma a obter equilíbrio energético, mantendo a saúde do corpo e do espírito, exige-se um doseamento correto dos dois conjuntos de alimentos.
Feitas as apresentações dos tipos de vegetarianismo mais comuns, a dúvida mantém-se: é seguro para as crianças? Mas, como em quase tudo na vida, a resposta perfeita não existe e as opiniões dividem-se. Aos pais pede-se bom senso e, acima de tudo, decisões informadas.
Sim, mas…
A Sociedade Europeia de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN) considera que as particularidades e vulnerabilidade que caraterizam o crescimento e maturação durante os primeiros meses/anos de vida não se adequam às restrições de uma dieta vegan. Da mesma forma, recomenda que as crianças que efetuem uma dieta vegetariana recebam uma quantidade diária de cerca de 500 ml de leite (materno ou fórmula infantil) ou lacticínios, e pelo menos uma oferta semanal de produtos animais (peixe).
A Associação Americana de Pediatria (AAP), por seu lado, menciona que o vegetarianismo pode conduzir a um estilo de vida mais saudável (as crianças e adolescentes vegetarianos tendem a ingerir menos colesterol e menos gorduras saturadas, e a comer mais frutas, vegetais e fibras), mas aponta a importância de compensar o que se omite.
Por cá, a Comissão de Nutrição da Sociedade Portuguesa de Pediatria refere, na Ata Pediátrica Portuguesa Vol. 43 Nº 5, setembro/outubro de 2012, sobre o tema “Alimentação e Nutrição do lactente”, que “parece sensato nortear a ação tendo por base as recomendações dos principais comités de nutrição, particularmente da AAP e da ESPGHAN”, deixando no entanto o alerta de que “é importante uma intervenção baseada na evidência, mas também baseada no bom senso e na inteligência”.
Nuno Metello, presidente da direção da Associação Vegetariana Portuguesa, diz-nos que “as crianças podem perfeitamente ser vegetarianas, sem qualquer compromisso para a sua boa saúde”, mas reforça a necessidade de informação: “Tem que ser uma alimentação bem planeada – da mesma forma que numa dieta omnívora –, e há uma série de cuidados que se devem ter, nomeadamente na suplementação de vitamina B12, pelo que é muito importante que os pais se informem e que não dispensem o acompanhamento médico”.
No fundo, o que há que ter em conta é que uma alimentação mal planeada dá origem a desequilíbrios nutricionais, seja ela vegetariana ou omnívora. Claro que, quanto maiores as restrições alimentares, maiores as probabilidades de a criança não estar a obter todos os nutrientes de que precisa para crescer saudável. Por isso, se para os pais é importante que os seus filhos sejam vegetarianos, isso é possível, mas exige um conhecimento aprofundado das necessidades alimentares das crianças (que estão longe de ser as mesmas que nos adultos) e um acompanhamento de um especialista em nutrição vocacionado para esta “área”, que aconselhe as “substituições” a fazer e os suplementos a tomar. Nos casos mais comuns (pesco-vegetarianos ou ovolactovegetarianos), não há grandes dramas, mas quando entramos no veganismo os cuidados a ter aumentam exponencialmente.
A nutricionista Maria Paes de Vasconcelos é de opinião que “desde que a dieta inclua ovo e leite, já está a correr bem”. “Os ovos e o leite”, continua, “são a forma perfeita de retirar proteína de um animal sem o matar. E é sempre possível optar por leite de vacas de pasto, ou ovos de galinhas criadas livremente, se as questões éticas subsistirem”. Além deste assunto relativo às proteínas (ver caixa), a nutricionista alerta ainda para o tema das gorduras: “Até aos três anos, as crianças precisam de cerca de 40 por cento da sua energia em forma de gordura. Isto porque o sistema nervoso central ‘é feito de gordura’, e porque as necessidades das crianças no campo energético são muito diferentes das nossas (no primeiro ano de vida a criança triplica de peso!). O problema é que as dietas vegetarianas têm pouca gordura, pelo que é imperativo que, até aos três anos, se acrescente gordura aos alimentos que a criança ingere, ‘abusando’ do azeite em cru”.
Colmatar falhas
O ferro é o nutriente mais comum que os vegetarianos têm em défice, especialmente os vegans. Isto porque as plantas ricas em ferro contêm um tipo diferente de ferro, mais difícil de ser absorvido pelo corpo do que o encontrado nos produtos de origem animal.
A vitamina B12 (cobalamina), que se encontra naturalmente apenas em produtos de origem animal e que é vital para um crescimento saudável, nomeadamente do cérebro, é outro aspeto a vigiar com cautela nos vegan, que também correm o risco de ingestão insuficiente de vitamina D, cálcio, zinco e riboflavina.
Procurar buscar as proteínas e o ferro à soja, ou a riboflavina aos espargos e aos brócolos, por exemplo, é importante, mas pode não ser suficiente. Daí a importância de acompanhamento médico, que recomende a suplementação do que está em falta, sempre que necessário.
No fundo, a verdadeira questão não é se a dieta de uma criança é vegetariana ou não, mas sim se é ou não saudável. Como o vegetarianismo não nos é “natural” enquanto espécie, a informação ganha importância redobrada, e os conselhos dos amigos ou o que lemos na internet estão longe de ser suficientes, pelo que o acompanhamento médico é essencial (tal como o é também nas crianças omnívoras, não é verdade?). Aos pais, pede-se que saibam ouvir e nunca descurem o bom senso. Coisas simples para conseguir aquilo que todos almejam: filhos saudáveis.
O primeiro ano de vida
Comissão de Nutrição da Sociedade Portuguesa de Pediatria divide as recomendações nutricionais para lactentes filhos de mães vegetarianas ou que pretendam que os seus filhos pratiquem uma dieta vegetariana, em dois períodos do primeiro ano de vida:
– Entre os zero e os seis meses deverá ser efetuado aleitamento materno exclusivo, de acordo com as recomendações genéricas. A dieta das lactantes vegan deve ser rica em cobalamina (vitamina B12), e em caso de dúvida deve ser efetuada suplementação da amamentante ou do recém-nascido, caso este efetue aleitamento materno exclusivo. Em relação ao cálcio, dado que o seu nível no leite materno é independente da alimentação da mãe, só as mulheres vegetarianas com ingestão de cálcio comprometida deverão receber um suplemento deste mineral, para cobrir as suas necessidades. O leite materno (tanto de mães vegetarianas como omnívoras) contém uma quantidade de zinco suficiente para o lactente até, aproximadamente, ao sétimo mês de vida, altura a partir da qual são necessárias ouras fontes alimentares deste micronutriente. No que respeita ao ferro, é importante garantir à lactante um adequado suprimento de fontes alimentares ricas neste mineral, devendo tomar um suplemento caso necessário. Não há necessidade de alteração das recomendações relativas à suplementação da vitamina D, mas a dieta da mãe deverá garantir um aporte adequado de alimentos ricos em DHA (ovos, microalgas) e ácido alfa-linolénico, evitando excessos de ácido linoleico e ácidos gordos trans.
Na ausência de leite materno, deverá ser privilegiado o uso de fórmula standard, ou, em alternativa, uma fórmula com proteína de soja.
– A partir dos seis meses, em alternativa ao leite materno ou fórmula láctea standard, pode continuar a oferecer-se uma fórmula infantil com proteína de soja (trata-se de uma fórmula específica, de venda exclusiva em farmácia, enriquecida em ferro, vitamina D e zinco; as bebidas de soja que se compram no supermercado não devem ser introduzidas antes dos 24 meses).
Nas crianças vegetarianas, a diversificação alimentar, com exceção da introdução dos alimentos de origem animal (carne, peixe e/ou ovos) que não são incluídos neste padrão alimentar, apoia-se nas mesmas diretrizes das crianças omnívoras. No entanto, o seu dia alimentar deve ser cuidadosamente avaliado, de forma a assegurar a oferta de alimentos energicamente densos e ricos em gordura e em proteínas de origem vegetal (iogurte de soja, queijo de soja, tofu, leguminosas secas, cereais integrais, gema de ovo cozida no caso dos ovolacto ou ovovegetarianos, abacate, etc.) e ainda em cálcio, ferro, zinco e vitamina B12.
Em algumas crianças, pode justificar-se a suplementação de alguns minerais e/ou vitaminas, em particular o zinco após a introdução dos sólidos, a manutenção da suplementação em vitamina D e a suplementação em ferro.
A “dança” das proteínas
A nutricionista Maria Paes de Vasconcelos refere que todos nós – crianças incluídas – temos necessidades proteicas muito baixas, e ingerimo-las em excesso. Ainda assim, elas são essenciais.
De uma forma simplificada, a estrutura-base da proteína são os aminoácidos (pequenas moléculas que se organizam em cadeias diferentes, consoante o tipo de proteína). Portanto, o corpo não absorve a proteína, mas sim os aminoácidos.
“Há 20 aminoácidos na natureza, e, desses, sete são essenciais à vida”, refere a nutricionista. A proteína perfeita, “aquela que contém todos os aminoácidos que precisamos, é a do ovo e do leite”, explica. A carne e o peixe também têm esse equilíbrio de aminoácidos quase perfeito. Já quando chegamos às plantas, mesmo a proteína mais completa – a da soja –, bem como o feijão, têm um ou outro aminoácido limitante, isto é, não são proteínas verdadeiramente “completas”. Daí que seja tão importante, nas dietas sem proteína animal, que se combinem as leguminosas com cereais. Arroz com feijão, grão com massa, lentilhas com cuscuz… O aminoácido que falta na leguminosa está no cereal, completando assim o “ciclo”. E não tenham medo de que as crianças engordem com estas misturas. Como esclarece a nutricionista: “misturar hidratos de carbono não engorda, o que engorda é duplicar a dose!”.
in: msn – saude e bem-estar